domingo, 11 de setembro de 2011

O Cavalo de Tróia do Jihad - Entrevista com o Prof. Dittmar Machule Uni Hamburg Harburg


Esta é a parte final de minha segunda conversa com o Prof. Dittmar Machule (a primeira fora publicada pelo "O Estado de Minas Gerais"), orientador do Diplomarbeit de Mohammed Atta na Uni Hamburg Harburg, dissertação que ele fez questão de concluir antes da etapa final de sua carreira de anti-semita genocida naquela "manhã de vergonha" em Nova Iorque.

1 - Concordamos com sua opinião que seria extremamente difícil escrever algo de "novo" sobre a trajetória do terrorista Mohammed El-Amir Atta. Entretanto, nosso objetivo consiste em entender, no mosaico de sua vida, as idéias do acadêmico Atta na "realidade discursiva concreta" de seu trabalho final de aproveitamento. Em outras palavras, a articulação e conclusão deste trabalho com as regras discursivas do esclarecimento representam um capítulo decisivo de seu projeto pessoal. Como o Sr. vê esta complexa cisão em sua personalidade, simultaneamente uma máscara e uma parte estrutural de seu projeto? No que podemos acompanhar pelos fragmentos, Atta acreditaria numa possível reconciliação entre a tradição do moderno e dos elementos tradicionais em relação a Aleipo. A revitalização do centro histórico dependeria dos instrumentos do planejamento urbano moderno. Trata-se, nas palvras de Atta de atingir nos países árabes uma "outra percepção" dos valores arquitetônicos a serem preservados. Estes "valores" seriam, a grosso modo, o tecido funcional do pequeno comércio, aquela mescla íntima e pública das vielas, o espírito de aldeia no coração da cidade velha, enfim, o ponto de equilíbrio entre a escala do espaço globalizado e regional entre os homens. Deixe-nos formular esta questão complexa de outra maneira, tentando escapar aos clichês do terrorista Atta. Os clichês nos oferecem duas alternativas: Ambas as alternativas são falsas, pois não esclarecem como é possível, a partir deste trabalho, entender a dialética mesma entre moderno e tradição. Seria Mohammed Atta um intelectual islâmico ou um "pregador"? O autor deste trabalho é um liberal muçulmano, que pretende reformar o Islã com as ferramentas do moderno e difundir um islã europeizado ou um "submarino ideológico" da irmandade muçulmana para dinamitar a Europa em seus alicerces, como Caroline Fourest em seu livro "Frère Tariq" descreveu? Seria Atta o cavalo de tróia da Jihad, o lobo em pele de cordeiro, um agente duplo do islã radical moderno, que pertence a ambos os lados e com quem temos de permancer na mesa de diálogo para nos proteger?


Dittmar Machule - De modo geral, acredito que ainda hoje seja bastante difícil fazer avaliações mais precisas e fundamentadas sobre as motivações verdadeiras e entranhadas do universo mental e afetivo de Mohammed El Almir Atta. Para mim e muitos outros durante seu período de estudos em planejamento urbano na Universidade Técnica de Hamburg-Harburg (TUHH) antes do 11/09, ele parecia apenas um estudante bastante inteligente, aplicado, crítico e engajado, mas, antes de tudo, um estudante muçulmano “normal”, com uma religiosidade saliente, sim, embora pacífica. Nunca percebemos quaisquer traços de radicalização ou fanatismo. À luz do 11/09, alguns fatos podem ser avaliados e interpretados de maneira diferente, ou mesmo como ind

icação de um fanatismo e radicalismo já latentes e camuflados. Nesse sentido, deve-se levar em conta ainda o fato de que, já nesta fase, seu pensamento e agir estavam se desenvolvendo de tal maneira que ele não discutia mais essas questões com não-muçulmanos e desse processo temos indicações fáticas apenas puntuais.



Todas as evidências e pistas relatadas nas investigações jornalísticas, bem como as lembranças daqueles que pensavam, de fato, conhecê-lo, ou dos que tiveram um contato com ele curto ou duradouro, devem ser interpretados em seu conjunto contraditório. Aquele „ brilhante jovem egípcio“, que chegou à Alemanha em 1992, deve ser avaliado de maneira distinta daquele que concluiu sua monografia em 1999, para não falar daquele que, com seus comparsas, assassinou milhares de pessoas na manhã do 11/09 e suicidou-se. Diante dos atuais acontecimentos no mundo muçulmano, algumas coisas já aparecem novamente sob outra luz. Como “submarino ideológico” consciente do Islã (naquilo que entendo sob este conceito), não o vejo em nenhuma das fases de seu desenvolvimento. Se esse projeto já era inconsciente ou desenvolveu-se depois de maneira sutil, esta questão permanece em aberto.

Contudo, nos seus últimos anos de vida, nos quais ele camufluou seus verdadeiros propósitos e aquilo que fazia de fato, eu o vejo, sim, como “um lobo em pele de cordeiro”. Mohammed el Almir Atta não era, aos meus olhos, um “pregador”, mas quem pode estar certo disto, quando não sabemos o que se passava entre as quatro paredes da Marienstrasse 54 em Hamburg-Harburg? Eu o vejo hoje mais como um jovem intelectual muçulmano, vocacionado à liderança e à ação radical sem qualquer escrúpulo.



Sobre seu trabalho final de aproveitamento, pode-se destacar que se trata de uma monografia em planejamento urbano na qual os aspectos teóricos e “técnicos” têm um grande peso. Ele deve ser avaliado como um trabalho urbanístico abrangente, fundamentado numa perspectiva bastante realista e esclarecida diante das tendências mais recentes dos desenvolvimentos locais, internacionais e nacionais, de seus dados e carências, no qual as idéias (e também as aspirações) transparecem, isto é, não apenas como pano de fundo da argumentação, mas condicionadas por formas culturais tradicionais pré-coloniais e valências oriundas de seu contexto de origem. Em grande parte, eles se recobrem com categorias de valor que remontam ao apoio internacional para o saneanemento da parte velha de Aleipo.



Certamente, Mohammed Atta procurava em sua monografia caminhos para uma convivência pacífica da tradição do Islã no moderno. Se ele procurava uma “reconciliação”, deixaria em aberto. De qualquer forma, parecia-lhe claro que os metodos ocidentais (europeus ocidentais) modernos de planejamento urbano eram um instrumento válido, desde que adaptados às pecualiaridades desse espaço e assim deveriam ser aplicados de maneira distinta. Contudo, esses conceitos e idéias arquitetônicos, destinados às formas históricas da velha Aleipo oriental (vielas estreitas, pátios internos, pequeno comércio) apareciam, no trabalho escrito, numa relação de conteúdo (como isto deveria funcionar?), insuficientemente argumentados. Esses conceitos, naquilo que me lembro da defesa oral na qual ele argumentou com bastante argúcia, levantavam hipóteses que deveriam ser experimentadas na prática. Ele mesmo reconheceu na defesa oral essas fraquezas, ou será que apenas a encenou, ou será que toda a argumentação do conjunto trabalho, da pesquisa de campo, inclusive, eram realmente “sinceras” ou “maquiadas” para um professor europeu ocidental cristão? Estes pensamentos não me ocorriam antes do 11/09, a despeito do irritante verso introdutório do Corão.



2 - Atta refere-se também às "forças anônimas" do mercado responsáveis pela "destruição da qualidade humana", isto é, à hegemonia do princípio monetário, que os críticos da globalização atribuem às desigualdades do comércio mundial, do qual o World Trade center era o símbolo. Seu colega de estudos Ralph Bodenstein relata como ele sempre exprimiu, já desde sua graduação no Cairo, um ressentimento agudo contra a supremacia cultural do Ocidente, no qual via um quase um complô contra o mundo islâmico. Esta motivação cultural o levou a estudar arquitetura e urbanismo, na medida em que percebia como sua cultura tinha poucas chances diante de uma ocidentalização acelerada. Depois do fracasso do nacionalismo nasserista pan-árabe, muitos projetos arquitetônicos monumentais, nos anos cinquenta e sessenta, permanceram como uma metáfora da promessa fracassada de modernização. Como Atta se colocava diante desta tradição?

Dittmar Machule - Sim, concordo com a avaliação de Ralph Bodenstein. Seu posicionamento e crítica correspondiam àquela dos críticos da globalização, mas durante o período da Universidade Técnica de Hamburg-Harburg, ele nunca demonstrou, repito, qualquer traço de radicalização ou fanatismo religioso. A argumentação da monografia não é a de um fanático religioso. Não tenho também uma resposta certa à questão sobre um programa intelectual referido a um programa do Islã moderno. Suponho, provavelmente, que Mohamed Atta deixou-se influenciar, de maneira duradoura e cada vez mais,por pregadores radicais conservadores, perdendo a coragem de se guiar pelo seu próprio entendimento, senão através de outros. Ele, de fato, naquilo que sei, não procurava um debate ideológico crítico, pelo menos nunca comigo. Não houve nenhuma chance de minha parte para isso. Muito de sua constituição psíquica e de seu desenvolvimento individual desempenharam um papel decisivo nessa fase.


3. A convegência entre solidão acadêmica e loucura condensa-se na história alemã na experiência do RAF nos anos setenta. Como é possível preservar a liberdade de expressão intelectual na universidade e reconhecer a tempo processos mentais que conduzem ao pior acidente mental do indivíduo, o “amok”?


Dittmar Machule - Nessa fase final, ele enxergava, sem admitir, os acontecimentos e coisas no mundo através das lentes de sua prisão ideológica, pela qual optou mais ou menos voluntariamente, na quais as contradições do real são apagadas. Nesse mundo puro e solitário de uma “ideologia justa”, de uma “fé melhor”, o agir torna-se para um jovem voluntarista, como eu o via, alguém que procurava aparentemente contribuir para um mundo melhor, uma promessa que se degenera em radicalismo sem escrúpulos. Nenhumas da religiões ou ideologias atuais neste globo me parecem livres dos riscos desta cegueira. O assassinato, a morte e mutilição dolorosa de milhares de indivíduos é assumida como um preço necessário. A própria vida se transforma numa arma efetiva de destruição em massa. Acho válida a remissão à experiência do RAF na Alemanha no início dos anos setenta. Os mecanismos são idênticos.Trata-se de reconheê-los prematuramente, documentá-los e levá-los ao debate público.

Mas retomando a primeira questão de “permanecer na mesa diálogo”: Dialogar com uma posição de pensamento tão extrema e cega à realidade, seja como cristão ou muçulmano sobre a complexa relação entre moderno e tradição, ou termina mortamente, ou nem começa. A busca de uma saída está para mim, não obstante, na tentativa sempre renovada de um diálogo livre. Este diálogo nós não tivemos, ou muito pouco com Atta na fase final de seu trabalho.

O conhecimento de algo novo sobre o caso Atta refre-se a algo velho e conhecido: tudo começa na formação prematura da consciência individual e coletiva na infância e sempe deve ser comunicado. O velho diálogo olho-a-olho é a a nossa única chance para uma convivência pacífica e tolerante. Certamente, pertecem a isso outras determinações sociais. Isto não é novo.

Os homens determinam por si as condições de uma vida comum. Tudo que é pensável é também como real imaginável. Mas pode acontecer que pessoas não-esclarecidas se deixem mais facilmente instrumentalizar. Sensibilidades religiosas e afetivas se deixam instrumentalizar mais ainda. O esclarecimento é uma tarefa duradoura, que deve ser renovada a cada geração. Todo trabalho de formação e comunicação tem uma grande responsabilidade em cada sociedade. Mas toda racionalidade da formação acadêmica mostra-se impotente quando não se “ganha o coração” (naquele sentido moderno) para uma sensibilidade tolerante diante do outro, do estrangeiro e das minoriais. Não vejo esta questão apenas do ponto de vista de Mohammed El Amir Atta e seus sedutores (“Como é possível preservar a liberdade de expressão intelectual na universidade e reconhecer a tempo processos mentais que conduzem ao pior acidente mental do indivíduo, o amok?”)


Este é um campo abrangente de relações muito complexas e devemos discutir olho-no-olho e então esclarecer o que de fato pensamos e discutimos. Cada um tem sua própria experiência pessoal e ocupa um lugar social condicionado dentro de seu campo de ação. Precisamos aprender a agir por conta própria. Procuro isto desde o 11/09 cada vez mais e de outras formas que antes. A resposta e caminhos têm mais a ver com uma atitude tolerante e uma consciência pós-moderna. Enquanto alguém acreditar que, em primeiro lugar, haveria uma caminho “certo” ou “errado”, sem segundo, que conhece sozinho o caminho “certo” e, finalmente, que por isso deve coagir o outro a este caminho, porque essa suposta verdade transcendental justifica qualquer meio, permaneceremos por muito tempo neste calvário. A juventude ao redor do mundo é, em sua maioria, ainda muito suscetível a esse maniqueísmo do “caminho certo” As chances da globalização dependem da vigilância, do diálogo e interesse que desmascarem justamente os caminhos que conduzem a esta loucura. Como isto é difícil nos mostram atualmente os acontecimentos no Irã.



4. A construção dos arranha-céus não foi sempre uma competição entre os senhores da construção civil e seus arquitetos? O 11/09 colocou a questão da atualidade dos arranha-céus. Como será o planejamento urbano depois de Atta?

Dittmar Machule - A construção de arranha-céus, de um ponto de vista global, é menos uma competição entre empreiteiras e arquitetos do que uma disputa pela máxima rentabilidade no aproveitamento do espaço. É uma disputa pelas vantagens das “cidades globais” financeiras (“onde a música toca”), pela imponência na produção de imagens, quem constrói o prédio mais alto, ou quem impregna mais as imagens. Muito pouco mudará. A memória é curta (“Atta já é uma página da história mundial”). A ameaça pelo trabalho demolidor da loucura está em toda parte. Mas no domínio do planejamento urbano nada mudará. Talvez nos próximo anos exista um argumento a mais na disputa local concreta na construção de arraha-céus e sua segurança. Mas a arquitetura e o planejamento urbano são o último lugar em que o arquiteto e o planejador urbano diplomado Mohammed El Amir Atta e seu grupo tenham alguma relevância. Antes do 11/09, via esta questão de maneira diferente, através da esperança e da confiança de uma boa possibilidade para uma melhor convivência e aprendizado recíprocos entre diferentes culturas nosso mundo. Estas não são questões técnicas.

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